17/10/2010

Os Cus de Judas A - a testa de Cranach

    

Judite e Holofernes
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Vênus e Cúpido
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A interlocutora do protagonista do livro Os Cus de Judas é uma pessoa misteriosa. Não sabemos nada sobre ela, só isso que ela é adulta, e que tem uma testa de Cranach. Lucas Cranach (1472 - 1553) foi um pintor renascentista, conhecido dos retratos bem trabalhados. Qual deles mostra a senhora mencionada no livro? Cranach tem na sua obra muitas Vênuses de corpos perfeitos, o que pode apontar para a beleza da mulher. Mas, por outro lado, o artista criou também obras nas quais podemos ver a Salomé, a Judite e a Eva - as mulheres da Bíblia. Cada uma delas era uma femme fatal, bela e perigosa. A minha suspeita é que a interlocutora do protagonista do livro tem intenções más. E ele não é desconfiado, como quer recuperar um pouco da infância com ela, relembrando os velhos tempos; quer beijá-la «diante das grades dos leões» e imagina um dia no Jardím Zoológico com ela, cheio de sentimentos e de amor.

5 comentários:

  1. Boa interrogação, exploração com algum interesse. Mas a previsão é pobrezinha. Claro, há pouca informação, mas tu não hesitaste em inclinar-te para o lado mau "tem intenções más". Porquê? O que te sugere isso? Nós não sabemos nada dela a não ser que é mulher e que está num bar. Será que isso é suficiente para determinar a sua natureza? E será que isso é importante? Em relação à testa, seria interessante uma reflexão sobre esta insistência do narrador em recorrer sempre a elementos exteriores (metáforas, comparações, metonímias) para caracterizar a realidade que vê. Será um desejo de mostrar erudição? Ou será mais do que isso? Há algumas regularidades nesse tratamento?

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  2. Além disso que esta mulher misteriosa é adulta, tem uma testa de Cranach e que está num bar, sabemos ainda que não diz nem uma palavra e que é bastante indolente ou indiferente, para não dizer insensível, fria para com o narrador - as suas confessões, carícias e toques. É apenas uma companheira que silenciosamente ouve o monólogo do narrador.

    Quanto a insistência do narrador em recorrer sempre a elementos exteriores para caracterizar a realidade que vê (o que o José mencionou acima), parece-me que vale a pena reparar em que são sobretudo umas comparações às obras ou até aos elementos das obras artísticas (como é o caso da testa de Cranach): um filme de Hitchcock, uma gravura de Vieira da Silva, um trompete solar de Louis Armstrong. Será uma realização, mais uma prova da noção pessoana que a vida e realidade não chega? Será que a arte serve como um meio para arrumar e compreender o mundo que está em redor?

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Boa observação :) Acho que alem disso,ALA quis mostrar a sua erudição. A arte gracas a sua diversidade tanto de genros como de ferramentas, compreendida como um todo, é capaz de apresentar-nos uma ''quase totalidade''.

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  5. Gostava só de regressar a esta discussão para dizer algo mais. O recurso à erudição nas comparações não me parece ser nunca o objectivo final do autor, porque tratar-se-ia apenas de uma pura exibição, de uma mostra gratuita de vaidade, atitudes que não considero existirem na Arte de António Lobo Antunes.

    Recordo-vos apenas o que Oscar Wilde terá dito a propósito da obra de Charles Dickens "before Dickens there were no fogs". Eu acho que a prática de António Lobo Antunes tem isto na sua essência. :)

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