31/10/2010

Os Cus de Judas - Influências de Proust?

Marcel Proust
Durante a leitura do livro Os Cus de Judas vejo algumas semelhanças com a obra mais conhecida de Proust (e ao mesmo tempo um dos meus livros preferidos): Em Busca do Tempo Perdido. O que é parecido? Por exemplo o protagonista é ao mesmo tempo o narrador que conta o seu passado com muitos pormenores, num corrente de consciência. Que mais, contando a sua história faz referências às obras da arte e muitas vezes desvia a sua atenção, começando a descrever de que um acontecimento faz-lhe pensar. Mas enquanto o protagonista d'Os Cus de Judas corta rapidamente os rumos 'colaterais' do pensamento, o protagonista do livro Em Busca do Tempo Perdido perde-se nos caminhos das suas reflexões (que podem encher muitas páginas) para depois voltar ao assunto e continuar a história até o próximo desvio. Ambos os livros têm por isso frases longas, às vezes complicadas. E quais são as diferenças? O mundo descrito no livro de António Lobo Antunes é feio, pelo menos eu considero-o assim, e o mundo descrito por Proust tem para mim algo de mágico, o protagonista sabe ver a beleza em quase tudo: em natureza, nas pessoas, nas obras de arte, nos edifícios, no comportamento humano, nos nomes das povoações... E ele também sobreviveu a guerra, viu os homens a morrer, tinha algumas experiências duras (por exemplo a doença). A grande diferença entre os livros está nos protagonistas que têm caráteres diferentes, que vêm o mundo de outra maneira (mas não totalmente outra; agora não vou chatear mais com dezenas de pormenores...), que são psiquicamente diversos. Como normalmente são os homens, por isso penso que ambos os autores conseguiram criar personagens quase vivas, tridimensionais, que não somente têm aparência, que agem e pensam, mas que também têm alma, têm psique.
Há ainda uma diferença: o livro de Marcel Proust é considerado como autobiográfico, e, na verdade, há muitíssimas analogias com a vida do autor. E o autor d'Od Cus de Judas nunca viu a terra de Angola que descreve na sua obra. Não digo que não haja nenhumas referências autobiográficas - não as buscava durante a leitura; mas se há algumas, com certeza não tantas como na obra de Proust.

24/10/2010

Os Cus de Judas A - o Jardim Zoológico 2


A imagem do jardim zoológico inquieta-me. Apareceu já no início do livro, e depois é mencionado mais uma vez, na descrição da família do protagonista. Sabemos que ele morava perto do jardim, que «do quarto (...) enxergava-se a cerca dos camelos». Mas o que me comove são as descrições dos animais e das pessoas que rodeavam o protagonista quando era criança, porque todas são muito naturalistas, até às vezes turpistas. A mulher de amendoins não tinha o cotovelo esquerdo; os homens bebiam muito; as focas lamentavam; o rio agonizava; as aranhas enormas foram congeladas... As palavras escolhidas pelo autor para a descrição da realidade repugnam, inquietam, entristecem. E entre estas comparações, de repente, surgem outras, belas e sublimadas: o professor a patinar faz o protagonista lembrar do «voo difícil dos anjos de Giotto», e as bochechas de Sãozinha são como as de Mae West.


Porque as imagens feias e repugnantes são misturadas com comparações belas, ligadas à arte, à literatura, à cultura alta em geral? Será que a experiência da guerra influenciou a sua olhada pelo passado? Como escreveu Ingarden (``Człowiek i Czas´´ em: Książeczka o Człowieku), as experiências mudam o nosso olhar sobre os acontecimentos passados e nunca podemos saber como foi o passado na verdade e o que sentíamos antes, porque já não sentimos o mesmo e já mudámos por causa das experiências novas.

Daqui vem a minha conclusão: a experiência da guerra, a estadia em África, entre os homens realmente pobres, mudou o seu ponto de vista perante o passado. É possível que por causa disso todo o mundo já lhe parece assim: realmente naturalista. O naturalismo tornou-se para ele numa norma, que existe e que não se pode discutir. E as comparações belas? As referências à arte? Permaneceram no seu cérebro, porque o protagonista é uma pessoa culta, e como conhece as obras, a realidade muitas vezes lhe parece uma obra da arte.
Pensam que pode ser assim? Ou chegaram às outras conclusões?


17/10/2010

Os Cus de Judas A - a testa de Cranach

    

Judite e Holofernes
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Vênus e Cúpido
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A interlocutora do protagonista do livro Os Cus de Judas é uma pessoa misteriosa. Não sabemos nada sobre ela, só isso que ela é adulta, e que tem uma testa de Cranach. Lucas Cranach (1472 - 1553) foi um pintor renascentista, conhecido dos retratos bem trabalhados. Qual deles mostra a senhora mencionada no livro? Cranach tem na sua obra muitas Vênuses de corpos perfeitos, o que pode apontar para a beleza da mulher. Mas, por outro lado, o artista criou também obras nas quais podemos ver a Salomé, a Judite e a Eva - as mulheres da Bíblia. Cada uma delas era uma femme fatal, bela e perigosa. A minha suspeita é que a interlocutora do protagonista do livro tem intenções más. E ele não é desconfiado, como quer recuperar um pouco da infância com ela, relembrando os velhos tempos; quer beijá-la «diante das grades dos leões» e imagina um dia no Jardím Zoológico com ela, cheio de sentimentos e de amor.

16/10/2010

Os Cus de Judas A - uma janela de Chagall.

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Marc Chagall (1887 - 1985) foi nomeadamente pintor, mas também ceramista e gravurista.



A primeira obra de Chagall em vidro foi criada em 1960, quando ele começou a série de 12 janelas em Jerusalem (Sinagoga no Centro Médico Hadassah-Hebrew). Outra série de 12 janelas pode ser vista na Igreja de Todos os Santos em Tudeley. Outro exemplo da obra de Chagall em vidro está situado no edifício das Nações Unidas.


Marc Chagall - Au Dessus de la Ville
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No livro Os Cus de Judas (na descrição do restaurante do Jardim Zoológico) está mencionada uma pintura de Chagall que mostra noivas volantes. Há muitas telas do artista que tratam do casamento e nas quais podemos ver as noivas a voar. Escolhi uma delas, de qual eu gostei mais, e coloquei aqui para possibilitar criar o ambiente correspondente a o do livro Os Cus de Judas.


15/10/2010

Os Cus de Judas - A


Oceanário de Lisboa
- uma olhada pela janela de vidro grosso.
Foto minha.
«Não sei se lhe parece idiota o que vou dizer mas aos domingos de manhã, quando nós lá íamos com o meu pai, os bichos eram mais bichos» - António Lobo Antunes, Os Cus de Judas.Há momentos em que a vida nos parece mais viva, que vimos e percebemos o mundo usando todos os sentidos. O ritual dos passeios no Jardim Zoológico era assim. Mas, ao mesmo tempo, os sentimentos do protagonista do livro não foram puramente positivos. Ele menciona um lugar de que gosta e um professor quem admirava, mas as impressões do protagonista são descritas com palavras que sugerem tristeza, solidão e inquietação. Os pássaros eram esquísitos, os animais gritavam ou estavam sozinhos nos seus tanques e gaiolas.
«Os plátanos entre as jaulas acinzentavam-se como os nossos cabelos, e afigurava-se-me que, de certo modo, envelhecíamos juntos» - António Lobo Antunes, Os Cus de Judas.

Os Cus de Judas de António Lobo Antunes


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O livro foi editado pela primeira vez em 1979 e trata da experiência de um homem que luta em Angola. Segundo Maria Celeste Pereira, a guerra descrita pelo autor é na verdade uma guerra universal, «em todos os sítios em todos os tempos».
Segundo o prefácio, o objectivo do livro foi «contribuir para que o nosso Povo vire em cada página a sua própria página de identificação e certeza», então os destinatários do livro são os portugueses. Eu não sou de Portugal, mas segundo Ingarden o leitor é o co-criador do texto literário, então vou partilhar a minha interpretação com os outros e espero uma discussão com leitores do livro Os Cus de Judas.

09/10/2010

António Lobo Antunes


António Lobo Antunes
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Nasceu  em Lisboa em 1942. Licenciou-se em Medicina. A partir de 1952 começou a escrever poesia e algumas histórias, e iniciou o seu primeiro romance (nunca publicado) em 1965. Desde 1985 dedicou-se inteiramente à escrita. Ganhou o Grande Prémio APE (Associação Portuguesa de Escritores) em 1985 com o romance Auto dos Danados e em 2000 com o romance Exortação aos Crocodilos. Em 2007 ganhou o Prémio Camões, tendo-lhe sido no mesmo ano atribuído o doutoramento honoris causa pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. As suas obras mais conhecidas, além dos mencionados acima, são: Memória de Elefante, Os Cus de Judas (ambas publicadas em 1979), Conhecimento do Inferno de 1980, Explicação dos Pássaros de 1981, Fado Alexandrino de 1983, As Naus de 1988, Tratado das Paixões da Alma de 1990, A Ordem Natural das Coisas de 1992, A Morte de Carlos Gardel de 1994, Livros de Crónicas de 1995, 2002 e 2006, Manual dos Inquisidores de 1996, O Esplendor de Portugal de 1997, Não Entres Tão Depressa Nessa Noite Escura de 2000, Que Farei Quando Tudo Arde? de 2001, Boa Tarde Às Coisas Aqui Em Baixo de 2003, Eu Hei-de Amar Uma Pedra de 2004, Ontem Não Te Vi Em Babilónia de 2006, O Meu Nome é Legião de 2007, O Arquipélago da Insónia de 2008, Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra No Mar? de 2009.
O novo livro, Sôbolos Rios Que Vão, vai ser oficialmente lançado no dia 28 de Outubro, pelas 19H00 no Museu da Água em Lisboa. O livro estará à venda no princípio da próxima semana.