Marcel Proust |
Durante a leitura do livro Os Cus de Judas vejo algumas semelhanças com a obra mais conhecida de Proust (e ao mesmo tempo um dos meus livros preferidos): Em Busca do Tempo Perdido. O que é parecido? Por exemplo o protagonista é ao mesmo tempo o narrador que conta o seu passado com muitos pormenores, num corrente de consciência. Que mais, contando a sua história faz referências às obras da arte e muitas vezes desvia a sua atenção, começando a descrever de que um acontecimento faz-lhe pensar. Mas enquanto o protagonista d'Os Cus de Judas corta rapidamente os rumos 'colaterais' do pensamento, o protagonista do livro Em Busca do Tempo Perdido perde-se nos caminhos das suas reflexões (que podem encher muitas páginas) para depois voltar ao assunto e continuar a história até o próximo desvio. Ambos os livros têm por isso frases longas, às vezes complicadas. E quais são as diferenças? O mundo descrito no livro de António Lobo Antunes é feio, pelo menos eu considero-o assim, e o mundo descrito por Proust tem para mim algo de mágico, o protagonista sabe ver a beleza em quase tudo: em natureza, nas pessoas, nas obras de arte, nos edifícios, no comportamento humano, nos nomes das povoações... E ele também sobreviveu a guerra, viu os homens a morrer, tinha algumas experiências duras (por exemplo a doença). A grande diferença entre os livros está nos protagonistas que têm caráteres diferentes, que vêm o mundo de outra maneira (mas não totalmente outra; agora não vou chatear mais com dezenas de pormenores...), que são psiquicamente diversos. Como normalmente são os homens, por isso penso que ambos os autores conseguiram criar personagens quase vivas, tridimensionais, que não somente têm aparência, que agem e pensam, mas que também têm alma, têm psique.
Há ainda uma diferença: o livro de Marcel Proust é considerado como autobiográfico, e, na verdade, há muitíssimas analogias com a vida do autor. E o autor d'Od Cus de Judas nunca viu a terra de Angola que descreve na sua obra. Não digo que não haja nenhumas referências autobiográficas - não as buscava durante a leitura; mas se há algumas, com certeza não tantas como na obra de Proust.