06/12/2010

Os Cus de Judas - a viagem do herói

A viagem do herói.
Inspiração: Campbell, Joseph (1949): The Hero of a Thousand Faces.
Joseph Campbell criou um esquema universal da estrutura dos mitos, mostrando nele a viagem do herói. Baseando naquele esquema inventei um esquema novo que mostra a viagem do protagonista d'Os Cus de Judas.

No meu esquema existe uma divisão do mundo para o conhecido e o desconhecido, mas compreendo-os diferentemente do que o autor do esquema do ''monomito''. Para mim o mundo conhecido é ao mesmo tempo somente uma imagem da realidade que está na mente do protagonista. O regime salazarista e os ideais da família criaram o mundo do protagonista d'Os Cus de Judas, que antes da sua viagem acreditava que a luta em África foi precisa e que a experiência deste tipo vai torná-lo num homem verdadeiro.
Queria sublinhar ainda que tudo o que nos rodeia tem um impacto grande na nossa visão do mundo. Por isso por exemplo mesmo quando algém está contra o regime político em que vive, esta situação sempre o influencia. O mesmo acontece com a família, os amigos, os mídia - o homem não é impermeável, por isso cada pessoa tem a sua visão do mundo diferente, e não se pode dizer qual delas é a mais verdadeira. A realidade pura fica sempre desconhecida.

O protagonista d'Os Cus de Judas decide deixar o mundo conhecido, ou, melhor, a sua idea do mundo conhecido, e viajar para a África. O começo da viagem é o início das transformações da sua psíquica, e o protagonista chega ao ponto de abismo (quando chega à África, reconhece a situação e fica desiludido, porque os seus ideais tornam-se inválidos). É por isso que marquei este ponto como a ''Desilusão'' (a inspiração foi o esquema da Ola Józiak).

Este momento em que o protagonista compreende que o mundo em que acreditava era falso, é o ponto para as transformações da sua psíquica se tornarem mais rápidas e profundas. Para mostrar a importância destas mudanças, dei no esquema um exemplo: o protagonista já não é capaz de distinguir o que é bom e o que é mal, porque o mundo de todos os seus ideais se tornou nulo.

A confusão que sente o protagonista leva o ao ponto em que as transformações da sua psíquica se tornam fixas. Estabelecem-se na sua cabeça permanentemente, porque o protagonista nunca mais vai ser capaz de acreditar de novo nas suas crenças anteriores por causa da experiência contrária.

Quando regressa da África, é um homem diferente. Há um trecho que mostra bem as dificuldades que ele encontra em Portugal depois da guerra, quando há uma briga entre ele e as pessoas, quando ele se sente como um animal feroz, e uma mulher diz-lhe que todos que voltam da guerra são como ele: bárbaros e sem civilização. 
o discurso
Outro fragmento diz que o protagonista não acredita mais na realiadde que o rodeia, e observa os vizinhos felizes e inconscientes quando abrem as portas nem pensando que estas casas poderiam não pertencer a eles. Tudo para eles é óbvio e natural - assim como era o mundo do protagonista antes da sua viagem. Ele, quando regressa, pode somente tentar viver duma forma considerada como normal, mas as inquietações nunca lhe vão permitir atingir o ponto da paz em que viveu antes da partida.

Para o esquema não ficar muito complicado, decidi fazer um esquema mais detalhado do discurso. A linha recta é a mesma que vai no grande esquema (desde o regresso até o futuro). Queria mostrar aqui que o protagonista tenta atingir o nível da paz anterior, fazendo várias relações com o mundo da arte que conhece, e que lhe parece mais estável. Infelizmente, as suas tentativas nem sempre o levam mais perto da paz interna, porque às vezes a sua raiva muito visível ainda mais o inquieta, como no caso descrito aqui. Em outros casos, como já tinha mencionado várias vezes, a sua escrita e as invocações das obras de arte conhecidas são para ele como uma terapia.

3 comentários:

  1. É um esquema interessantíssimo. Um pouco complicado, mas a tua descrição extensa explica bastante bem a ideia da "viagem do herói". Há, no entanto, no esquema uma coisa que, parece-me, não explicaste e que é, nomeadamente, a «gradual melhoração» e o futuro que se dirige à «paz máxima». Podes esclarecer emm que sentido se realiza a melhoração do protagonista e o que compreendes como «a paz máxima»?

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  2. Pensei sobre a paz psíquica, quer dizer:
    Antes da guerra o protagonista tinha a imagem do mundo bem definida, conseguia distinguir o bem e o mal, e por isso sentia paz dentro de si. Claro, com certeza tinha várias dúvidas, como todos as temos, mas em geral podia viver do modo ''normal'', obedecendo as regras estabelecidas pela sociedade. A guerra desfez esse balanço, e o protagonista ficou psiquicamente destruido, inqueto, sem paz. Na minha opinião esta paz nunca mais vai ser possível na sua vida, porque o impacto da guerra foi demasiado forte. Ele consegue ganhar um pouco de paz com o passar do tempo, mas nunca vai voltar ao balanço do ponto da partida. A paz máxima a que ele conseguirá chegar sempre será menor do que a paz antes da guerra, porque sempre vai existir nele a dúvida, a inquietação, as memórias da guerra.

    Não sei se a minha explicação é clara :)

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  3. Há algumas afirmações que fazes com as quais não concordo, mas gostaria de compreender porque as fazes. Cita fragmentos do romance que comprovem que:

    - o protagonista d'Os Cus de Judas antes da sua viagem acreditava que a luta em África era precisa e que a experiência deste tipo vai torná-lo num homem verdadeiro.

    - os seus ideais tornam-se inválidos (na verdade, quais eram os seus ideais antes da guerra)?

    - o protagonista compreende que o mundo em que acreditava era falso.

    - incapaz de distinguir o bem do mal, porque o mundo de todos os seus ideais se tornou nulo (incapaz? indiferente? fatalidade? )

    - Há um trecho que mostra bem as dificuldades que ele encontra em Portugal depois da guerra, quando há uma briga entre ele e as pessoas, quando ele se sente como um animal feroz, e uma mulher diz-lhe que todos que voltam da guerra são como ele: bárbaros e sem civilização.

    No teu esquema, utilizas rótulos como "Regresso" e "começo do regresso", que não explicam muito. Repara como na primeira parte tu usas categorias significativas como "Transformação psíquica" e "Incapacidade de distinguir o bem e o mal" e não "começo da viagem", "vida em Angola". O que é que acontece neste momento da narrativa? E o regresso também não ocupa metade da acção.

    Ainda em relação ao esquema há algo que para mim não é claro. Este aponta para que no futuro o narrador alcance a "paz máxima". Na reposta à Ola dizes que é uma paz possível, com inquietação, dúvida, traumas de guerra. Como é então?

    Para mim, o esquema aponta, indubitavelmente, para uma reconciliação do narrador com o mundo e a minha pergunta é se é assim no romance? E justifica a tua resposta com citações do romance ou de textos críticos. A Maria Alzira Seixo tem uma opinião sobre isto no seu artigo sobre os Cus de Judas.

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