10/01/2011

Os Cus de Judas N

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Além das tentativas de permanecer homens, os soldados portugueses não tinham nenhuma possibilidade de ficar impermeáveis à guerra, e ela mudava os continuamente. Até os espíritos mais fortes não podem resistir e ficam somente como «insectos indiferentes, mecanizados para um quotidiano feito de espera sem esperança» (página 101). Segundo o protagonista do livro, eles foram transformados em «peixes mudos (...) treinados para morrer sem protestos».

Mas segundo o protagonista, esta situação que os tornava peixes obedientes e sem possibilidade de protesto, começou já em Lisboa, com as manipulações da sociedade, com a PIDE a vigiar todos os passos de cada cidadão, com o ambiente tenso e cheio de mentiras, porque a censura impedia o pensamento ''impróprio''. Isso mostra muito bem o trecho seguinte:
«Éramos peixes, somos peixes, fomos sempre peixes, equilibrados entre duas águas na busca de um compromisso impossível entre a inconformidade e a resignação, nascidos sob o signo da Mocidade Portuguesa e do seu patriotismo veemente e stúpido de pacotilha, (...) espiados pelos mil olhos ferozes da PIDE, condenados ao consumo de jornais que a censura reduzia a louvores melancólicos ao relento de sacristia de província do Estado Novo, e jogados por fim na violência paranóica da guerra, ao som de marchas guerreiras e dos discursos heróicos dos que ficavam em Lisboa, combatendo, conbatendo corajosamente o comunismo nos grupos de casais do prior, enquanto nós, os peixes, morríamos nos cus de Judas uns após outros (...)» (páginas 101-102)
A situação descrita faz me lembrar de livro de Orwell sobre o ano de 1984, quando todos os cidadãos foram manipulados totalmente pelo estado, a censura foi uma força grande e importante, e a história foi mudada muitas vezes durante a vida de uma pessoa - mas ninguém se preocupava com isso, nem com a vigilança, porque até o pensamento foi quase controlado, ninguém já sabia pensar de outra maneira. Claro que o livro de Orwell não mostra a realidade de Portugal daquela época - seria um exagero - mas nos olhos do protagonista a manipulação da sociedade foi profunda.

«a locutora da rádio da Zâmbia perguntava Soldado português porque lutas contra os teus irmãos mas era contra nós próprios que lutávamos, contra nós que as nossas espingardas se apontavam» (página 103).

2 comentários:

  1. Ponto de contacto interessante este que apresentas nesta entrada. Mas valeria a pena marcar não só os pontos em que as obras parece que se aproximam, mas também aqueles em que elas se afastam. o 1984 foi publicado em 1949 e a visão distópica do mundo que apresenta enquadra-se mais no género da ficção científica. Constituirão estes também pontos de contacto com os Cus de Judas? Quando aproximamos duas obras, devemos sempre fazê-lo de uma forma integral e marcar bem os limites.

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  2. Concordo com aquilo que prof. Zé disse porém acho que aquilo que ab queria sugerir é um mecanismo que é conveniente para manter ordem em umexército ou em um regime. A uniformização dos componentes de um grupo é um mecanismo do poder. Mecanismo e rotina que avariam os soldados. Esta nova ordem faz com que ao regressarem a realidade soldados já não podem viver como antes também não podem viver segundo o ritmo da guerra.

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