«Duas coisas que me enchem a alma de crescente admiração e respeito, quanto mais intensa e frequentemente o pensamento dela se ocupa: o céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim.»- Fonte: Immanuel Kant, "Werke in sechs Bänden" [Obras em seis volumes], capítulo "Kritik der Praktischen Vernunft" [Crítica da Razão Prática].
São palavras de Immanuel Kant, um filósofo alemão (1724 - 1804). Segundo ele, o céu sobre o homem e a lei moral dentro dele são a prova de que existe um deus sobre o homem e também dentro do homem.
Lembrei-me desta frase quando li seguinte fragmento do livro Os Cus de Judas:
«Lá, fora, um céu de estrelas desconhecidas surpreendia-me: assaltava-me por vezes a impressão de que haviam sobreposto um universo falso ao meu universo habitual (...)»
- António Lobo Antunes, Os Cus de Judas, p.28
Este trecho descreve o que sentia o protagonista do livro quando chegou à Luanda, que era um sítio completamente novo para ele.
Penso que a citação da obra de Kant pode ajudar compreender a situação do protagonista e o seu comportamento durante a guerra em África, sugerido nos próximos capítulos do livro. O protagonista encontra-se numa situação nova, que não tem ligações com a sua vida anterior: o céu estrelado sobre ele é desconhecido, misterioso, talvez até assustador. Está sozinho, sem família nem amigos, e por isso parece-lhe que começe uma vida totalmente diferente - e na verdade assim é, porque a realidade da guerra não tem muito a ver com o tempo da paz. Das palavras do Kant podemos tirar uma conclusão importante: o céu sobre o homem é ligado à lei moral que o homem tem dentro de si. A realidade da guerra é muito cinzenta: o branco do moral e o preto do imoral misturam-se, as leis quebram-se; a regra de não-matar já não é válida, porque a matança torna-se numa obrigação, e o mesmo acontece com outras regras e leis, criando uma confusão profunda no lei moral dentro do homem, que tem de se adaptar para esta nova situação.
Hierarquia de necessidades criada por Maslow |
Porque acho isto tão importante? No livro Os Cus de Judas podemos encontrar alusões como o protagonista se comportava em Angola: por exemplo podemos supor que ele violava mulheres africanas, e que era cruel. E, na minha opinião, é muito fácil criticar ele, quando estamos nas suas casas onde temos tudo de que precisamos: a comida, a paz, o amor, a segurança, então podemos atingir todos os níveis da hierarquia de necessidades de Maslow. E o que acontece com o protagonista do livro? Na verdade ele nem pode satisfazer as necessidades mais baixas, o que o torna frustrado, irritado, cansado. Quando adicionamos à isto a desordem moral da guerra, podemos ver as condições malíssimas dele. Tudo o que lhe rodeava foram as estrelas kantianas, que influenciaram o que estava dentro dele: a sua lei moral, destruindo-a.
Na minha opinião é por isso que as pessoas que voltam da guerra nunca mais podem voltar a viver a sua vida anterior. Existem acontecimentos que têm o impacto tão grande no homem, que o mudam completamente. Por isso quando o protagonista volta de Angola, sente-se diferente do que os outros, e eles também não o compreendem. Também a sua família é desiludida, porque esperava um «homem verdadeiro» e não o encontrou nele. Deste modo ele volta para viver na margem da sua própria vida, sozinho e inquietado pelas recordações da guerra.
Parece-me bem lembrada a frase de Kant para aquela passagem dos Cus de Judas (sublinhado) e clara a tua argumentação. Gostaria, no entanto, que provasses com citações do texto, algumas das afirmações que fazes sobre as acções do narrador, como "supor que ele violava mulheres" e que mostrasses como chegas a essas conclusões.
ResponderEliminarE gostaria ainda de ver em que é que se transforma o esquema de Maslow se ele tentar representar alguém como o narrador do livro, porque parece que a pirâmide, mesmo de volta a casa, já não pode ser a mesma, não é?
Há também alguns delizes linguísticos no teu texto que seria bom corrigir: "parece-lhe que começe uma vida..."; "no lei moral"; "é muito fácil criticar ele"; "quando estamos nas suas casas"; "as condições malíssimas dele"; "tudo o que lhe rodeava"
Acho que a piramida de Maslow é um bom ponto de partida para a análise da estrutura do romance. Porque parece que o narrador tenta curar as feridas que a guerra lhe deu. As retrospecções servem na minha opinião não só para mostrar a mudança do seu comportamento mas também para recuperar estes elementos perdidos durante a guerra como a inocencia por exemplo
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