21/11/2010

Os Cus de Judas C - um céu de estrelas desconhecidas

«Duas coisas que me enchem a alma de crescente admiração e respeito, quanto mais intensa e frequentemente o pensamento dela se ocupa: o céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim.»
- Fonte: Immanuel Kant, "Werke in sechs Bänden" [Obras em seis volumes], capítulo "Kritik der Praktischen Vernunft" [Crítica da Razão Prática].
São palavras de Immanuel Kant, um filósofo alemão (1724 - 1804). Segundo ele, o céu sobre o homem e a lei moral dentro dele são a prova de que existe um deus sobre o homem e também dentro do homem.

Lembrei-me desta frase quando li seguinte fragmento do livro Os Cus de Judas:
«Lá, fora, um céu de estrelas desconhecidas surpreendia-me: assaltava-me por vezes a impressão de que haviam sobreposto um universo falso ao meu universo habitual (...)»

- António Lobo Antunes, Os Cus de Judas, p.28
Este trecho descreve o que sentia o protagonista do livro quando chegou à Luanda, que era um sítio completamente novo para ele.

Penso que a citação da obra de Kant pode ajudar compreender a situação do protagonista e o seu comportamento durante a guerra em África, sugerido nos próximos capítulos do livro. O protagonista encontra-se numa situação nova, que não tem ligações com a sua vida anterior: o céu estrelado sobre ele é desconhecido, misterioso, talvez até assustador. Está sozinho, sem família nem amigos, e por isso parece-lhe que começe uma vida totalmente diferente - e na verdade assim é, porque a realidade da guerra não tem muito a ver com o tempo da paz. Das palavras do Kant podemos tirar uma conclusão importante: o céu sobre o homem é ligado à lei moral que o homem tem dentro de si. A realidade da guerra é muito cinzenta: o branco do moral e o preto do imoral misturam-se, as leis quebram-se; a regra de não-matar já não é válida, porque a matança torna-se numa obrigação, e o mesmo acontece com outras regras e leis, criando uma confusão profunda no lei moral dentro do homem, que tem de se adaptar para esta nova situação.
Hierarquia de necessidades criada por Maslow
Porque acho isto tão importante? No livrOs Cus de Judas podemos encontrar alusões como o protagonista se comportava em Angola: por exemplo podemos supor que ele violava mulheres africanas, e que era cruel. E, na minha opinião, é muito fácil criticar ele, quando estamos nas suas casas onde temos tudo de que precisamos: a comida, a paz, o amor, a segurança, então podemos atingir todos os níveis da hierarquia de necessidades de Maslow. E o que acontece com o protagonista do livro? Na verdade ele nem pode satisfazer as necessidades mais baixas, o que o torna frustrado, irritado, cansado. Quando adicionamos à isto a desordem moral da guerra, podemos ver as condições malíssimas dele. Tudo o que lhe rodeava foram as estrelas kantianas, que influenciaram o que estava dentro dele: a sua lei moral, destruindo-a.

Na minha opinião é por isso que as pessoas que voltam da guerra nunca mais podem voltar a viver a sua vida anterior. Existem acontecimentos que têm o impacto tão grande no homem, que o mudam completamente. Por isso quando o protagonista volta de Angola, sente-se diferente do que os outros, e eles também não o compreendem. Também a sua família é desiludida, porque esperava um «homem verdadeiro» e não o encontrou nele. Deste modo ele volta para viver na margem da sua própria vida, sozinho e inquietado pelas recordações da guerra.

2 comentários:

  1. Parece-me bem lembrada a frase de Kant para aquela passagem dos Cus de Judas (sublinhado) e clara a tua argumentação. Gostaria, no entanto, que provasses com citações do texto, algumas das afirmações que fazes sobre as acções do narrador, como "supor que ele violava mulheres" e que mostrasses como chegas a essas conclusões.

    E gostaria ainda de ver em que é que se transforma o esquema de Maslow se ele tentar representar alguém como o narrador do livro, porque parece que a pirâmide, mesmo de volta a casa, já não pode ser a mesma, não é?

    Há também alguns delizes linguísticos no teu texto que seria bom corrigir: "parece-lhe que começe uma vida..."; "no lei moral"; "é muito fácil criticar ele"; "quando estamos nas suas casas"; "as condições malíssimas dele"; "tudo o que lhe rodeava"

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  2. Acho que a piramida de Maslow é um bom ponto de partida para a análise da estrutura do romance. Porque parece que o narrador tenta curar as feridas que a guerra lhe deu. As retrospecções servem na minha opinião não só para mostrar a mudança do seu comportamento mas também para recuperar estes elementos perdidos durante a guerra como a inocencia por exemplo

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