08/11/2010

Os Cus de Judas C - a dor de criação

«Nunca lhe aconteceu isto, sentir que está perto, que vai lograr num segundo a aspiração adiada e eternamente perseguida anos a fio, o projecto que é ao mesmo tempo o seu desespero e a sua esperança, estender a mão para agarrá-lo numa alegria incontrolável e tombar, de súbito, de costas, de dedos cerrados sobre nada, à medida que a aspiração ou projecto se afastam tranquilamente de si no trote miúdo da indiferença, sem a fitarem sequer?»

Ricardo Gondim - Desilusão

Cada pessoa sem dúvida já experimentou isto. Esta citação faz-me lembrar de alguns momentos quando escrevia algum texto, e de repente sentia que niguém vai perceber os pontos mais importantes por causa da insuficiência das minhas habiliades, ou percebia que ninguém vai se interessar por isso que descrevo.

Este sentimento não é desconhecido a um escritor despercebido que não consegue publicar nenhuma obra na sua vida. E se o futuro vai o julgar diferentemente, ele nunca saberá sobre isso.

Mas a citação pode ter a ver não somente com a escrita, mas por exemplo com uma invenção falhada para qual alguém dedicou toda a sua vida. Ou com um projecto mais comum que não resultou, porque há casos quando alguém decide construir uma casa grande para toda a sua família, e depois fica sozinho entre os quartos vazios, porque todos mudavam de casa.

Todas estas situações trazem consigo a desilusão, a falta de esperança e a amargura.

4 comentários:

  1. Na minha modesta opinião a desilusão e a falta de esperança que a citação em cima tenta exprimir não se referem tanto à escrita dum escritor despercebido (porque o protagonista não é um escritor, nem próprio Lobo Antunes pode queixar-se de falta de público e areciadores do seu trabalho). Já a segunda interpretação é, ao meu ver, mais acertada. Aquela "invenção falhada" do protagonista, uma escolha que revelou-se errada, é para mim, outra vez, a guerra. Eis o que o desilude - a guerra, a patria, enfim, a vida em geral.

    Não te parece que aquele "projecto comum" a que te referes poderia ser o conceito da Pátria, que no livro fica muito distorcido, o que mostra também a tuda entrada anterior?

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  2. O fragmento que citas (e mais uma vez, coloca o número de página) não é esclarecedor sobre o contexto em que o narrador o pronucia. Porque na obra, ele refere-se concretamente a quê? Que projecto é este que se lhe escapa? Lembra-te, que antes de mais, o teu blogue deve procurar compreender a obra. Se depois quiseres generalizar essas ideias à vida em geral, tudo bem, mas não te esqueças nunca da obra em que ela se insere.

    E o que achas da opinião da Ola sobre este projecto comum ser o conceito da "Pátria"? ou achas que pode estar a falar mais de um projecto "humano", de se poder ser um ser humano feliz, completo, livre de traumas?

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  3. Claro que o protagonista não é escritor, e as suas palavras não tratam necessariamente da escrita, mas o que é para mim muito importante numa obra literária é a possibilidade de ler o livro através da minha própria experiência. Dei o exemplo do processo da escrita e de uma invenção falhada para mostrar, que cada pessoa pode encontrar neste fragmento do livro o seu próprio fragmento da vida, e que cada pessoa é capaz de sentir o mesmo que o protagonista, mesmo que tem a vida totalmente diferente.

    Para mim também o projecto comum mencionado na citação é o conceito da Pátria como um país feliz, sem guerras desnecessárias, sem lutas que a destroem; infelizmente este projecto é falhado, porque a política e o dinheiro são mais importantes do que simples cidadãos que sofrem, e que podem somente sonhar uma Pátria feliz para acordar-se depois e sentir a desilusão de novo...

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  4. Podemos também supor que o narrador fala da identidade, a identidade pós-guerra e não só a dos soldados mas também do resto da população. È muito difícil abranger toda a população e definir alguns traços comuns para definí-la. Sempre encontr-se-á um elemento que nos escapa, ou que por mais que tentamos fica sempre nítido. O conhecimento da história as vezes ajuda em criação da base de uma identidade, mas as vezes não nos guia em nenhum lado. Os descobrimentos por exemplo podem ser vistos como uma marca da identidade portuguesa, quanto a guerra o assunto já não é tão simples. Em este ponto da reflexão entramos on campo da definição do conceito de pátria e este pode ser diferente para soldados, para a população e em fim para os políticos e militares que governam o país.

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