07/11/2010

Os Cus de Judas B - metamorfoses do protagonista

«Aos domingos, a família em júbilo vinha espiar a evolução da metamorfose da larva civil a caminho do guerreiro perfeito (...)»
Mas quais metamorfoses aconteceram na verdade dentro da alma do futuro soldado? A guerra, e a luta para proteger a pátria, tão idealisada pela família, desmistificaram alguns aspectos da vida, anteriormente admiradas pelo protagonista.
Marc Chagall - Violinista Azul
«Em Mafra, sob a chuva, vi correr os ratos entre os beliches na tristeza desmesurada do convento, labirinto de corredores assombrados por fantasmas de furriéis. Em Tomar, onde os peixes sobem do Mouchão para vogarem ao acaso pelas ruas em cardumes cintilantes, construí Jerónimos de paus de fósforo admirados pelas escleróticas amarelas dos pára-quedistas com hepatite. Em Elvas (...) desejei evaporar-me nas muralhas da cidade à maneira dos violinistas de Chagall no azul espess da tela, batendo as desajeitadas asas de cotão das minhas mangas militares, até pousar em Paris para uma revolução de exílio feita de quadros abstractos e de poemas concretos (...)»
O protagonista tem consciência de que a guerra não tem valor positivo nenhum, ri-se dos «padre-nossos nacionalistas», com ironia descreve os agentes da PIDE... Mas tem de tomar parte em tudo isso, e
«eu preguntava a mim próprio o que fazíamos ali, agonizantes em suspenso no chão de máquina de costura do navio, com Lisboa a afogar-se na distância num suspiro derradeiro de hino. (...) Sentia-me como a casa dos meus pais no Verão, sem cortinas, de tapetes enrolados em jornais, móveis encostados aos cantos cobertos de grandes sudários poeirentos, as pratas emigradas para a copa da avó, e o gigantesco eco dos passos de ninguém nas salas desertas.»

1 comentário:

  1. Acho muito boa a ideia de ilustrares o teu blogue com as inúmeras referências a artistas e obras de arte a que o narrador recorre para mostrar (pintar? esculpir? desenhar? ...) o seu real.

    Gostaria, no entanto, que confrontasses essa tua mostra de beleza que o texto invoca com uma frase tua na entrada sobre Marcel Proust em que dizes que no romance existe principalmente o "feio". Ora estas invocações que tu aqui tornas visíveis não são feias. Acho que o domínio daquilo que chamaste "feio" tem mais do que se lhe diga e é, certamente, uma investigação merecedora de várias entradas. Ora aprofunda lá isso.

    E gostaria que além de encontrares e apresentares essas obras que o texto invoca, que aprofundasses mais as razões por que o narrador invoca essas imagens, esses artistas. Porque tu apresentas essa imagem, mas depois não comentas adequadamente. Qual a razão e o(s) objectivos(s) dessas invocações?

    Ainda mais uma dica metodológica, coloca o número da página do excerto citado.

    ResponderEliminar